domingo, 29 de novembro de 2015

MARROCOS PROFUNDO

De Lisboa segui para Marrakesch, com escala em Casa Blanca onde encontrei minha companheira de viagem, Ana. Ufa! Ela existe, pensei, não é invenção da agencia. Já havia feito o pagamento da viagem quando vi a mensagem da agência Rota dos Ventos, dizendo que a pessoa que iria comigo não tinha confirmado. Depois que disse que já havia enviado o dinheiro, eles voltaram atrás - iria sim mais alguem - mas, aí ja tinha batido a paranoia..."não vai mais ninguém, vou ter que ir sozinha para o deserto".
Assim, quando a encontrei, foi aquele alivio. E, já de cara achei-a bastante simpática. Mostrou-se também uma ótima companheira de viagem. e um bom papo. Ana tem 44 anos, trabalha com contabilidade em Lisboa, faz teatro e possui um filho que faz arquitetura. Tambem viaja bastante. Tinhamos, portanto, algumas afinidades.

Segunda de manhã Said, que seria nosoo guia e cozinheiro, e Hamed, o motorista, foram nos pegar no hotel em Marrakesch e seguimos para o Sahara. Ambos são muito educados e atenciosos. Said fala francês e inglês e Hamed, francês e espanhol. Mas, entre eles, só falam o árabe, como todos no país. Visto que,  na volta ficarei uma semana sozinha em Marrakesch e o francês é o idioma oficial, me obriguei a falar só o francês, mas acabava misturando tudo (que é o que acontece quando voce nao fala bem nem um nem outro).


Nossa primeira parada foi na kasbá Telouet da família Glaoui, que aliou-se aos franceses durante a colonização, construindo assim uma grande fortuna. O interior é muito bonito, ricamente ornamentado e está razoavelmente conservado.





Adicionar legenda


 Depois seguimos em direção à Ouazasaque, onde há vários estúdios de cinema. Próximo a uma  kasbá havia a locação de um filme. "Alexandre o Grande", de Oliver Stone e "Gladiador" e "Cruzadas" de Ridley Scott, entre outros, foram feitos na região.







 No final do dia acampamos à beira da represa El Mansur e Said preparou uma sopa deliciosa e um Tajiner tambem muito bom. No dia seguinte fez também um omelete excelente. Tive que me acostumar a tomar chá de hortelã - do qual nao sou muito fã - para esquentar porque no Alto Atlas, a cadeia de montanhas que iriamos ultrapassar para chegar ao Sahara, era muuuuiiito mas muuuuiiito frio e ventava muito também.
A primeira noite foi péssima, dormi com uma camiseta térmica, uma segunda pele e ainda vesti o suéter de lã mas, nada esquentava, nem o saco-de-dormir de pena de ganso adiantou muito. Na segunda noite Said me emprestou um cobertor que também não barrou o frio, que penetrava até a alma. Decidi então comprar um Kilim e jogar por cima das cobertas - até que  ajudou bastante.
O problema são as barracas que são de um nylon muito fino, impróprio para temperaturas baixas e, a noite deve fazer em torno de -5. A garrafa de água que havia deixado fora da barraca  amanheceu congelada.






Pequenas vilas no caminho do Vallé du Dadès
Fizemos um passeio à pé pelo Vallé du Dadès. Foi interessante pelo contato com a população local. Todos falam francês e são muito simpáticos, embora as mulheres e, também as meninas,  não se deixem fotografar. O jeito é primeiro tirar a foto e se desculpar depois - c'est interdi? Oh, pardon! 
As mulheres trabalham duro, cuidando das plantações e os homens ficam na beira das estradas ou nos lojinhas.












Subimos as montanhas do Alti-Atlas, até 2000 metros, com a esperança de vermos neve no topo, o que é comum já no início do inverno mas, excepcionalmente, este ano não havia. Maravilha foi ter encontrado Coca-cola para vender!



Depois seguimos para o Sagro, a paisagem mais fantástica de toda a viagem. São desfiladeiros com rochedos altos que levam a garganta ladeada de casbás e Souks. Há algum comercio local de tapetes, luminárias e cerâmica. Não resistimos a andar de burrinho, o meio de transporte mais comum naquela  região.











 Na terceira noite Said propôs dormimos numa Guest House, no Vellée Du Draa. Bastante simples, mesmo para os padrões marroquinos mas, claro que bem mais confortável que nossas barracas. E, após 3 dias sem tomar banho, finalmente uma ducha quente, pela qual pagamos 10 Dihran, foi tudo de bom.

Adicionar legenda

Servem a todo momento cha de hortela que vem sempre acompanhado de tamaras.

nosso quarto na guest house
Descontando o frio e o vento, o resto da viagem esta sendo uma experiência fantástica. A paisagem natural é belíssima embora as casas, todas na cor ocre, sejam muito rústicas e não possuam vegetação alguma no entorno - nem um único vaso de folhagem ao lado da porta. O solo é muito árido e a água escassa, só nos vales nasce alguma vegetação.
Mesmo já conhecendo um pouco através de alguns filmes, ver de perto aquelas vidas tão precárias e saber que aquelas crianças terão um futuro tão resumido, é muito chocante. Ana acha que são felizes porque levam uma vida simples. Acontece que eles não tiveram escolha. Diferentemente dos Amish, dos USA, que vivem no século passado por opção, porque escolheram este tipo de vida.






 O contraponto a tudo isto, são as estradas asfaltadas, que eles chamam de black way, que estão por toda parte; também a rede elétrica e o sistema de canalização da água que se estende por todo o interior. Perguntei se isto tudo era recente e o que os franceses haviam deixado de herança.  Said disse que faz parte do programa de modernização do governo de Mohammed VI.
Pensei nas vantagens da monarquia, visto que um rei age como um empresário que vive do lucro da sua empresa - se a produção aumenta ele ganha mais - é o sistema da meritocracia. Mas tem, também a desvantagem de, se for um mau governante, derruba-lo deve ser bem difícil (mas talvez não mais difícil do que tirar a Dilma!). Ha uma semana não lia jornal porque estava sem internet. O que foi muito bom, estava precisando dar uma "desligada".

Adicionar legenda






 No aniversário da Ana, depois do almoço Said e Hamed fizeram uma surpresa e apareceram com um bolo de presente.

Mais descontraídos, os rapazes confessaram que fomos apelidadas de Ronaldo (de Cristiano Ronaldo) e Ronaldinho. Espero que sejam elogios e nada tenha à haver com beleza ou simpatia. Descobrimos tambem que gostam muito de futebol e, nas vilas encontramos alguns campinhos de futebol, visto que aos homens é permitido alguma diversão


Adicionar legenda
Adicionar legenda
Depois de seis dias de viagem, finalmente chegamos ao Sahara, estavamos ha 30 km da Argélia e próximos da Mauritânia e do Mali. Faremos, ao todo 1.600 km pelo interior do país.
Chegamos no final da tarde e, para nossa satisfação, não estava frio nem ventando. A noite apareceu uma lua belíssima, uma enorme bola laranja.




Depois do jantar, quando nos preparávamos para ir para nossas barracas ler (no deserto se dorme as sete da noite) ouvi uma música vindo de um acampamento próximo e convidei a Ana para irmos até lá. Havia um grupo de turistas franceses em torno de uma fogueira bebendo e ouvindo música Berbere. Bebiam absinto, Ana não bebe mas eu aceitei prontamente e ficamos conversando por um bom tempo. O grupo de amigos vem há 10 anos para o Sahara. Andam de quadriciclo nas dunas, dormem, divertem-se e, ao que parece, bebem mais que os camelos.

                                                         O acampamento dos franceses.
Adicionar legenda

  Negociei com o proprietário do local, um Berbere, um passeio de dromedário e fomos andar no dia seguinte mas, foi muito decepcionante. Não deixam a gente andar só, vão te puxando por uma corda - foi humilhante. Fiz a pobre Ana pagar por este "mico". Contei que nas fazendas da Coxilha Rica, em Lages, tambem dão o cavalo mais velhinho e cansados para as patricinhas da cidade.




Paramos em uma cooperativa de tapetes e fiz a idiotice de perguntar o preço de um - o sujeito me perseguiu até nosso acampamento. Claro que com a cumplicidade de Hamed. Foi uma imprudência minha pois sei o quanto são insistentes. Depois disso achei que tinha perdido a carteira (bateu de novo a paranoia, não falei nada mas achei que o árabe tinha roubado).  Said disse para ter cuidado principalmente com o passaporte porque aqui um passaporte estrangeiro vale uma fortuna.  Fiquei sabendo então que os marroquinos não conseguem visto para paises fora da Africa, provavelmente pelo medo que a Europa e os USA tem da imigração muçulmana.



Novamente acampamos a beira de uma barragem. Nesta, infelizmente, havia muito lixo no entorno. Eu e Ana decidimos curtir uma fogueira mas, como nao havia lenha, só uns galhos finos e não durou muito.









Infelizmente minha fantasia de ser sequestrada por um tribo Tuarege e vendida em um mercado de escravas brancas para algum sheik, não aconteceu. Creio que há uns 30 anos atras teria tido mais chance.





Hoje começamos a retornar a Marrakech. Só mais uma noite acampadas e depois dormiremos no hotel. Domingo Ana volta para Lisboa e eu vou para um Riad na Medina.
Ana deu-me algumas dicas no meu retorno à Lisboa: comer pastel de nata no Chiado e ir ao Cinema Ideal,  também no Chiado.


Nenhum comentário: